sexta-feira, 8 de maio de 2015

Porta

A sua porta não abre como a de todo mundo. É uma madeira crua feita de resto de árvore.

Na sua epopeia diária, o estado da porta a impede de sair rápido, de batidas ríspidas, de fechar bruta no nariz de alguém. A porta, me indago o motivo diariamente, permanece encoberta com o plástico branco que a protegeu no caminho até aqui. 

Manter o plástico branco translúcido talvez seja segurança de mudança futura e de movimento em alguma direção. Da excentricidade de um objeto comum. Da variação. Ainda não sei.

Ontem no café do trabalho alguém falou que só se aprende diante da mudança de hábitos. Pela solução de problemas. Eu, dono de uma porta saudável e funcional, me readaptaria se na entrada do meu quarto fosse posta a tal tábua ensacada descrita acima. A pessoa do café citou Deleuze, ele queria parecer inteligente. Pareceu.

Desde o aparecimento desta tábua, tornou-se parte da minha rotina admirar os momentos da "porta" fechada e aberta, da leve inclinação necessária para mantê-la de pé, até da luz que vaza lá de dentro quando o quarto está acesso. 

A pessoa dona do quarto e da "porta" precisou readaptar seus hábitos. Aprender que fechar e abrir o quarto não é mais ato simples. Uma ação que agora demanda tempo, atenção, força e uma leve inclinação que deixa a luz passar e a tábua de pé. Precisou também se acostumar com o barulho do vento vacilando no grande plástico que a cobre. Adaptou.

Carregar tal fardo pode ser crucial na solução de problemas diários, desde a andar com um plástico translúcido que tenta acobertar ineficiências e demonstrar mudanças, até a estabelecer a capacidade de construir e desconstruir barreiras entre os olhos e o mundo.

Eu, admirador declarado da porta, numa investigação mais apurada a deixei cair. Fez barulho, mas não quebrou. Não caiu no pé, mas doeu.

Ainda não consigo demonstrar qualquer aprendizado, apenas tenho tido trabalho para colocá-la no lugar,