sexta-feira, 1 de abril de 2016

O peso do amargo

É a última quarta-feira do mês. No meu bolso da frente estão algumas notas da máquina de cartões do posto de gasolina, são as provas de que é possível comprar sem ter dinheiro. São as lembranças que meu salário do próximo mês vai chegar e antes de dar "oi" vai fugir. No bolso de trás, um maço de cigarros paraguaios que custaram 2,50. Abro o vidro do carro. É o último dia do mês.

Fazem dois meses me ofereceram um cargo melhor. Fazem dois meses que percebo que o "melhor" é relativo demais.

Abri a janela e acendi um cigarro paraguaio. Já tinha dito que abri a janela, esqueci de dizer o motivo.

No meu carro um músico de meia idade que está em busca do sucesso. Apresento algumas músicas salvas no celular, queria parecer interessante. Ele gosta. Comentou de uma cantora japonesa que a música que mostrei o fez lembrar. Detesto música japonesa. Ele encolhe.

Termino o cigarro e fecho a janela. Lembro que ligar o ar condicionado do carro faz gastar mais gasolina e invento que estou precisando do ar da noite. São 19:15.

Passamos por um acidente de carro que deixou o trânsito lento, ele resolve pegar a gaita na bolsa me fazendo ter que desligar o som do carro. Eu adorava a música que estava tocando.

Ele me mostra que sabe tocar a nona sinfonia na gaita. Admiro. Fico mais animado com o motoboy ao lado tentando escutá-lo tocar do que com a música de fato.

Ele para, eu volto a música. Fazemos um silêncio desconfortável. Um carro de polícia pede passagem.

O desconforto da carona nos faz conversar sobre elogios e críticas. Digo que detesto elogios ao meu trabalho. Que adoro elogios às coisas que não fiz de fato. Explico que meu narcisismo tem limites estranhos. Ele finge entender. Diz que lida bem com as críticas. Concordo sem acreditar.

Outro carro de polícia passa. "Melhor fechar as janelas", ele sugere. Concordo. Lembro do ar condicionado, tarde demais.

Estamos chegando no destino da carona. Digo que na próxima vez ele não precisa se sentir forçado à conversar enquanto dirijo. Ele parece ficar sem graça. Ignoro.

Destravo o carro acendendo outro cigarro paraguaio. Ele se despede. Outro carro de polícia passa.

O "melhor" é relativo demais.