quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Invisível #1

Meu nome é Lucas.

♪ Tocando agora: J. Tillman - Love No Less Worthy 

Eu tenho 25 anos recém completados. Situação que cria dúvida toda vez que me perguntam a idade. 
Quando eu me acostumar, trocam.

Eu moro no Rio de Janeiro. Cidade Marav... dizem.

Eu tenho uma rata, a Frida. (Frida, fridoca, medrosa, "rata doida vem cá!"). 2 meses. 
Ela ainda não tem idade pra se confundir com números.

Sou formado em Belas Artes, em Informática, em fazer cara de bobo toda vez que vejo que o preço do iogurte abaixou.

Sempre escrevi da vida e sobre ela. Sobre a minha, sobre a dos outros. Tento, quando escrevo, mostrar a beleza da banalidade. Dos dias perfeitos em que derrubamos um copo e fingimos que não o houve. Escrevo sobre os cacos que ninguém quer limpar, sobre os ruídos da cidade, sobre a tv do metrô que quebrou e agora só mostra a tela inicial do sistema operacional.

♪ Tocando agora: Mirel Wagner - Oak Tree

Sobre os dias, pinço o que não vale. Não me espere dizer como foi no trabalho ou como fiquei 2 horas no engarrafamento. Costumo me perder no sapato desamarrado, no riso alheio, no caos das bocas, nos olhos perdidos.

Hoje foi um dia normal, como todos os outros hão de ser. No normal vejo todas as possibilidades vazias de sucesso, mas não o extraordinário.

♪ Tocando agora: Monica Heldal - Boy From The North 

Hoje vi uma mulher brigar com o motorista de ônibus. Passou do ponto. O rosto dela ficou vermelho, sua bolsa não parava no ombro. "Você passou do ponto! Eu te pedi, NÃO, VOCÊ XINGOU PRIMEIRO!". Ele saiu, ela engoliu a raiva, anotou a placa e também foi. Vazio. O rosto, o ônibus, a bolsa, o grito.

Meu nome é Lucas.
Quando eu me acostumar, trocam.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Porta

A sua porta não abre como a de todo mundo. É uma madeira crua feita de resto de árvore.

Na sua epopeia diária, o estado da porta a impede de sair rápido, de batidas ríspidas, de fechar bruta no nariz de alguém. A porta, me indago o motivo diariamente, permanece encoberta com o plástico branco que a protegeu no caminho até aqui. 

Manter o plástico branco translúcido talvez seja segurança de mudança futura e de movimento em alguma direção. Da excentricidade de um objeto comum. Da variação. Ainda não sei.

Ontem no café do trabalho alguém falou que só se aprende diante da mudança de hábitos. Pela solução de problemas. Eu, dono de uma porta saudável e funcional, me readaptaria se na entrada do meu quarto fosse posta a tal tábua ensacada descrita acima. A pessoa do café citou Deleuze, ele queria parecer inteligente. Pareceu.

Desde o aparecimento desta tábua, tornou-se parte da minha rotina admirar os momentos da "porta" fechada e aberta, da leve inclinação necessária para mantê-la de pé, até da luz que vaza lá de dentro quando o quarto está acesso. 

A pessoa dona do quarto e da "porta" precisou readaptar seus hábitos. Aprender que fechar e abrir o quarto não é mais ato simples. Uma ação que agora demanda tempo, atenção, força e uma leve inclinação que deixa a luz passar e a tábua de pé. Precisou também se acostumar com o barulho do vento vacilando no grande plástico que a cobre. Adaptou.

Carregar tal fardo pode ser crucial na solução de problemas diários, desde a andar com um plástico translúcido que tenta acobertar ineficiências e demonstrar mudanças, até a estabelecer a capacidade de construir e desconstruir barreiras entre os olhos e o mundo.

Eu, admirador declarado da porta, numa investigação mais apurada a deixei cair. Fez barulho, mas não quebrou. Não caiu no pé, mas doeu.

Ainda não consigo demonstrar qualquer aprendizado, apenas tenho tido trabalho para colocá-la no lugar,

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Bons Ares

Vivo em contante agonia.
Agonizo teu riso e tua falta de tato.
Agonizo seu rosto e a necessidade que me impõe em lhe olhar.

Perdi cinco prédios da última viajem.
Me preocupei mas com o vinho do que com você.

"Está comendo muita fritura, já levou o carro na revisão?"
Não quero repetir os erros do meu pai.


Estou sempre um pouco bêbado nos últimos dias.
Hoje senti repulsa de você aqui em casa.
Falávamos do meu direito de criticar as coisas que você gosta.
Lembra?
Como não, acabei de te deixar no metrô.


Ando procurando a melhor forma de dizer que não te quero mais.
Não te querer é cruel.

Acabou o vinho que trouxe de lá.

Voltaria, deixei de ver cinco prédios, te disse?


sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Traçado


Ouvir o Chico dizer que a “cidade arde” sempre me colocou numa sensação desconfortável de apatia.

Esta relação de covardia com a cidade não se desfaz nos passos apressados pelas calçadas de Benfica ou menos no atravessar acelerado fora do sinal em Botafogo.

O grande engano é esperar da cidade a ruptura que dela não se cria. Não se desfazem nos prédios, ruas, paredes, semáforos nada além do que são. O transeunte conduz, mas é interface de narrativa atrofiada pelo todo. É a partir dele que se refaz a visão do espaço, não o contrário. A cidade arde diz ele, e por cidade se inclui todo este grupo de coisas que não conseguem arder sozinhas.

Nas janelas: pequenos vãos para um mundo mais lento, descolado deste furor, da pressa. São elas que fazem cor e vírgulas no ritmo barulhento das passagens. Elas em si, não ardem.

Uma grande instituição cidade, um Rio de muitos peixes confusos, que os de cá não veem o nado dos de lá e vice-versa.  Todos nadam cegamente cobrindo o chão com seus movimentos histéricos em direção ao nada.

Deste fluxo continuo proposto pela cidade, que fatidicamente se transforma e/ou desenvolve não se pode fugir da apatia, da passividade, da corrente.

Para este, ainda há os que tentam não arder imersos no lago. Relutam, pintam as margens, mas padecem com suas ações sendo ignoradas, fazendo parte também deste grande ritmo.

Incorpora-se tudo neste calor e não há um valor menor para os detalhes. Os olhos aguçados irão percebê-los, farão seus sonetos das coisas singelas. Detalhes também ardidos, sonetos que arderão quando saírem da boca.

A cidade é racional ao limite. Ela arde sem doer e troca a pele sem que ninguém perceba.

Buarque afinal não responde se preguiçoso ou se covarde, só prefere arder sem nadar.