sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Encruzilhada

encruzilhada 
en.cru.zi.lha.da 
sf (de encruzilhar) Lugar onde dois ou mais caminhos se cruzam. Var: encruzada.

Onde se despejam os desejos, as feitiçarias a fé.

Nos meus dicionários eu risco as palavras que dizem mais que duas frases. 
Nos meus dicionários eu risquei "amor". Significa mais.
Risquei futuro, razão e ciúme.

Consulto todos frequentemente, preciso saber se devo seguir ou se devo aumentar o vocabulário.

vida 
vi.da 
sf (lat vita1 Atividade interna substancial por meio da qual atua o ser onde ela existe; estado de atividade imanente dos seres organizados.

Desfaço os riscos. Me organizo. Repenso as encruzadas. Volto a viver.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Novembro

Voltei de mim onde não fui eu.
Meus olhos estão pesados e sem rima.
Durante a tarde choveu.

Voltei pra cá relembrando.
Esquentei quem estava perto.
O calor veio de mim.

Fiquei opaco fugindo dos cômodos sem saber do que fugia.
Fugi de mim.

Desde muito, hoje troquei a noite pelo dia.
Fazia tempo.

Quando apaga sinto verdade.
Quando voltei me vi aceso.

Nunca me vi no espelho.
Sou estranho à minhas vistas depois que voltei.

Sou tartaruga sem casco.
Sou turquesa e não tenho onde me esconder.

Vivo voltando.
Nunca.
Nunca vou.


segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Chuva de verão

Estou castigado pela espera.

No verão tudo repete.
Tudo parece derreter.




domingo, 20 de outubro de 2013

Rota

Eu assopro.
Você morde.


Estávamos distantes um do outro apesar de caminhar na mesma estrada. Chão seco de terra batida e o vento que anunciava o fim da tarde balançava as árvores do caminho. Outono tudo indicava. Eu tentava rimar meus passos com os dele, ele não percebeu. Andava rápido como quem quisesse bagunçar minha meta. Era pressa.

Estávamos mais próximos. Eu comentei sobre uma árvore. Ele riu. Esqueci a parte ruim do caminho no sorriso. Chamei perto. "Não segura minha mão, podem ver!". Só havia nós dois no caminho.

Emburreci, esqueci o sorriso. Queria ele mais perto, trocar o suor das mãos, dizer com os dedos que o amava. Passou um moço. "Viu só!" - Ele disse. Vi e me aquietei.

Andávamos um ao lado do outro e pedi desculpas. Ele balançou a cabeça. Achei que não havia ouvido. Eu disse que o desculpava. Ele quis saber o "por quê".

Anoitecia. Eu disse que estava com medo do escuro. Ele me mandou continuar andando. Abaixei a cabeça. Eu sabia que ele tinha mais razão que meu medo ou dor nas pernas.

Cai. Escureceu mais em mim que o caminho. Ele correu em minha direção. "Você está bem?" - Ele perguntou. Não consegui responder. Fiz gesto de abraço. Ele me abraçou. 

Andávamos um ao lado do outro. Eu carregava sua mochila. Estavamos longe de onde íamos. Apenas era preciso andar. Eu não tinha certeza se eu era boa companhia. Ele não demonstrava esse medo. Meu medo crescia.

Ele me olhou. Sorriu. Eu soltei uma lágrima.

Segurou minha mão e disse "Continua!".

Eu mordo.
Você assopra.


Ao homem que me descomplica, mas me ama complicado.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Nada

A iminência do sorriso lhe fez sorrir. Tinha nela o passo apressado e costas arriadas, tinha nela todos os sonhos e medos do mundo. Era completa em cacos. Se fazia difícil e padecia aos poucos. Chegou! "Eu sou a próxima da fila, onde estão meus diplomas, onde está o certificado, onde estão?"; "PRÓXIMO!". Andou. Na mesa branca encardida com manchas espaças de fundo de copo derramou seus documentos. "Eu me tornei esse bando de papéis." - Disse entre risos. A mulher não riu. Apenas observava fria o cabelo mal arrumado da menina. Das meninas. De todas que se faziam em mim o que fui por alguns segundos.

"Levantei. Fiz alguns pontos. Meus méritos se traduziram em pontos na mesa encardida de copos sujos espaçados." Ela, eu narrador, você leitor, e todos nós, somos ela. 

A porta rangeu quando a menina saiu. Todos olharam. Vestia saia e tênis, era misturada. Tinha cheiro de perfume forte, como quem não costuma usar perfume.

Foi andando, abriu o carro. Ligou o rádio e pela primeira vez respirou naquela manhã.

Amanhã é sexta. Não se dá mais aos luxos da cerveja. Na atual circunstância todas são caras. Tudo é caro.

Eu sugiro. Não sugira. Ela agora voltava rápido para casa. Tinha pressa em chegar para completar o seu não fazer. Tinha nela a fúria de chegar e concluir o que não havia começado. A falta de rotina ganhara força maior que a própria. Precisava no nada ver seu valor. Preenchia o vazio com mais vazio para se sentir saciada.

Era nada!

Estudou quatro anos, contava cinco pelos estágios não concluídos. Estava só. Abraçada ao diploma. Não tinha nada. Os amigos? "Como está, novidades? E aquela cerveja?"

De que valia. Não tinha ganhos na venda.

A menina tinha passos tortos. A iminência do sorriso. A curvatura já cansada. Os objetivos entrelaçados.
A menina era tu, era eu, era nada.


domingo, 9 de junho de 2013

Prólogo

Tenho cinco vidas.

Uma delas não aceita as outras.

A segunda, é vaidosa, feliz, esquemática e insensível.

A terceira, é tímida, deprimida e inconsolável.

A quarta vive de mim, controla e julga.

A quinta, em compasso com a primeira, recolhe cada engrenagem fundamental das outras para se desfazer no eu.

E eu, o atual presente, fico confuso com as minhas auto-definições.