quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Câmera quebrada

     Arrependimento vazio das épocas futuras. Faço a crítica, escondo o rosto. Ceticismo avançado, não acredito nem em mim mesmo. Como pode ser tão cruel? Como pode? Viu no jornal que a chuva matou gente, viu no jornal que a chuva castiga. Viu no sensacionalismo um jornal. Como se faz para não sofrer? Sofra a emergência de um maço a mais de cigarro para as noites de insônia. Sofra a falta de cafeína nas madrugadas inspiradoras. Sofra, sozinho, no escuro.
     Há algumas pessoas vigiadas, experimento vago. Exaltação do nada. Galeria de paredes brancas, num mundo branco. Nada do nada. Representação fiel da besteira. Tem gente morrendo a morte mais sofrida e sofrendo da tristeza de não parecer existir. Como eu não sofrer? Como eu errar o português em épocas como essas? Como eu speak english com tanta gente morrendo do B-A-Bà-Bolsa Família? Entregamos-lhe uma bolsa, você empacota sua família. Tem gente morrendo. Tem carro quebrado. Tem vida no poste de luz elétrica? Fico à disposição para ajudar, depois do meu banho com água mineral importada de um monte qualquer da Europa. Fico. Não vou. Tenho que sofrer, tenho que apanhar, tenho que comprar, tenho que assistir. Calado! Não vou, não fui, não pareço estar indo à lugar algum.
    Consumo o básico, pago a conta do celular. No banco do banco vivo um paradoxo. Não é possível o artesão viver só da indústria robotizada, não é. Ponhamos dentro de uma casa alguns pobres, alguns ricos, pessoas bonitas e as feias também. Quem será que o público vai escolher? Ligue para esse número para eliminar Maria e para este se quiser eliminar João. João e Maria não vão ganhar, a bruxa tem sido mais esperta desde a invenção do coração. Que sangra.


Não quero fazer sentido no mundo dos sem sentidos (!).

2 comentários:

Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz disse...

o que é o sentido? o que faz sentido? tudo é abstrato e de tudo se abstrai ... quem o povo vai escolher eim???

;-)

Tainá Rei disse...

"Entregamos-lhe uma bolsa, você empacota sua família."

Este conto está puro drama, feito pra ser declamado. Gostei muito.