sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Traçado


Ouvir o Chico dizer que a “cidade arde” sempre me colocou numa sensação desconfortável de apatia.

Esta relação de covardia com a cidade não se desfaz nos passos apressados pelas calçadas de Benfica ou menos no atravessar acelerado fora do sinal em Botafogo.

O grande engano é esperar da cidade a ruptura que dela não se cria. Não se desfazem nos prédios, ruas, paredes, semáforos nada além do que são. O transeunte conduz, mas é interface de narrativa atrofiada pelo todo. É a partir dele que se refaz a visão do espaço, não o contrário. A cidade arde diz ele, e por cidade se inclui todo este grupo de coisas que não conseguem arder sozinhas.

Nas janelas: pequenos vãos para um mundo mais lento, descolado deste furor, da pressa. São elas que fazem cor e vírgulas no ritmo barulhento das passagens. Elas em si, não ardem.

Uma grande instituição cidade, um Rio de muitos peixes confusos, que os de cá não veem o nado dos de lá e vice-versa.  Todos nadam cegamente cobrindo o chão com seus movimentos histéricos em direção ao nada.

Deste fluxo continuo proposto pela cidade, que fatidicamente se transforma e/ou desenvolve não se pode fugir da apatia, da passividade, da corrente.

Para este, ainda há os que tentam não arder imersos no lago. Relutam, pintam as margens, mas padecem com suas ações sendo ignoradas, fazendo parte também deste grande ritmo.

Incorpora-se tudo neste calor e não há um valor menor para os detalhes. Os olhos aguçados irão percebê-los, farão seus sonetos das coisas singelas. Detalhes também ardidos, sonetos que arderão quando saírem da boca.

A cidade é racional ao limite. Ela arde sem doer e troca a pele sem que ninguém perceba.

Buarque afinal não responde se preguiçoso ou se covarde, só prefere arder sem nadar. 








Um comentário:

Paulo Roberto Figueiredo Braccini - Bratz disse...

A vida tem estes nuances: "arder sem nadar" ... que em 2015 possamos pelo menos nadar ...

Beijão